quarta-feira, 31 de março de 2010

Gilvânia, a baleira feliz!

Ao entrarmos num ônibus, ainda que para um simples trajeto, comumente nos deparamos com um ou até mais vendedores ambulantes ao longo da viagem, isso quando não são os famosos “pedintes”. Esses vêm com uma conversa muito feia e manjada sobre o que poderiam estar fazendo, mas que ao invés disso, preferem estar ali pedindo. Não me intimido mais. Eu não tenho obrigação de dar esmolas, não querendo dizer que não sou solidária. Alguns desses pedintes nos fazem acreditar que temos que ajudá-los ou sabe-se lá o que poderão fazer conosco. Perdi o respeito por eles. Não vou mentir dizendo que não me sensibilizo quando são crianças ou idosos, mas a quantidade deles é incrível! Se for fazer gosto, vou ter que trabalhar somente para dar esmolas em ônibus ou comprar algo na mão deles para ajudar.
Logo que mudei para a cidade grande e comecei a trabalhar, fiz uma coleção de canetas compradas em “buzus”. Dava todas as minhas moedas a tantos quantos entrassem. Mas tive uma grande decepção ao ver, um belo dia, um dos pedintes a quem certamente ajudei algum dia, escondidinho atrás de uma escada perto de onde eu trabalhava nessa época, usando drogas. Era difícil esquecer a figura, pois ele tinha um problema na perna e usava uns aparelhos nela. Desde então reduzi as minhas humildes contribuições e passei a comprar somente se eu tivesse com real vontade ou necessidade.
Porém, na semana passada, me deparei com uma figurinha que merece que eu escreva a seu respeito. Gilvânia, a baleira feliz! Assim ela se auto-intitula. Queria estar com uma câmera fotográfica na mão naquele momento para registrar o tamanho do sorriso dela, melhor, uma câmera filmadora para registrar todo o seu marqueting. Ela vendia nego-bom, eu até gosto, mas ainda que eu não gostasse, comprava.
Acostumada com aqueles velhos discursos de “compre para me ajudar” ou “eu podia “tá” matando, roubando...” me surpreendi com a irreverência e simpatia da vendedora. Ela arrancava sorrisos involuntários dos passageiros, brincando com todos, sem aquelas mesmas piadinhas de sempre. Enfim, ainda que ela não brincasse, apenas anunciasse o seu produto, a alegria e satisfação que ela demonstrava ter no que faz contagiariam a todos do mesmo jeito. Imagino que ela seja ambulante não porque gosta, mas por não ter oportunidades melhores. Entretanto trabalha com dedicação e com um sorriso nos lábios como se fosse o melhor emprego do mundo. Trata bem aos seus clientes, dá atenção a todos e se um não compra, não fecha a cara, agradece e continua sorrindo. Quando disse que imagino que ela não está nisso porque gosta, não falo com preconceito, acredito que toda forma, desde que digna e honesta de se viver é válida. Porém, quem gosta de trabalhar debaixo de sol ou chuva? Estar expostos aos mais diversos tipos de perigo? Correr o risco de ser maltratado? Sofrer preconceito? Dentre várias outras coisas que poderiam ser citadas aqui. O que me levou a escrever sobre Gilvânia, a baleira feliz? Muito simples: uma pessoa como essa merece ser aplaudida de pé, pois tem tanta gente por aí reclamando de barriga cheia. Quantos trabalhadores das mais variadas áreas que atendem mal aos seus clientes, não lhes dão atenção, são antipáticos, enfezados, descontam nos clientes todos os seus problemas e ainda falam mal dos mesmos quando estes vão embora?
Sei o quanto falar é fácil e que por vezes sabemos dos nossos erros, mas não temos força de vontade suficiente para corrigi-los. Contudo é necessário observarmos mais o mundo em nossa volta para pararmos de achar que o nosso problema é o maior de todos. Existem pessoas em situações muito piores, mas que conseguem, apenas com um sorriso, viver melhor. Gilvânia é um exemplo disso.